Artigos, Terapias Integrativas

Quem Sou Eu depois da pandemia?

A vida não nos exige sacrifícios inatingíveis; ela nos pede que façamos nosso caminho com alegria no coração e que sejamos uma bênção para os que nos rodeiam, de forma que, se deixarmos o mundo apenas um pouquinho melhor do que era antes da nossa visita, teremos cumprido a nossa missão.” – Dr. Bach (Florais de Bach) 

Ao longo deste período de pós-pandemia, realizando meu trabalho terapêutico, ouvindo as histórias e compartilhando a realidade de vida dos pacientes, clientes e profissionais da área, tenho observado o que muitos colegas também vivenciam: auxiliar alguém hoje, estar lá à disposição com toda a presença, o amor, o respeito e a compaixão para ela, é o mesmo que atender três ou mais pessoas. Do meu ponto de vista, esse cenário nos mostra o quanto ainda precisamos primar pela qualidade nos atendimentos, ao invés de apenas quantidade e lucro. Todos nós, sem exceção, ainda estamos procurando certa estabilidade interna, tendo que driblar, com muita paciência, resiliência e compreensão os desequilíbrios que acontecem ao nosso redor.

Não temos como negar os desafios e a necessidade ainda mais profunda de sermos quem somos, de perseverar no nosso propósito, de encontrar o que nos faz vibrar, o que nos move, o que nos traz sentido de vida, e nos fortalecermos na nossa identidade humana e divina. Entretanto, nesse caminho, muitos nem começaram a jornada para dentro de si, nem sabem por onde começar, perderam o rumo ou sequer sabem quem são: um barco à deriva sem propósito numa Era de grande vulnerabilidade, de vazios existenciais, de mais imagem e menos alma. 

Algumas breves citações de casos que acompanho são exemplos deste momento de transição ou de grande dificuldade para muitos de nós. Ecoando no tempo, talvez ainda espelhem o mesmo sentir interno daqueles que estarão lendo essas palavras em busca do seu verdadeiro Eu, querendo fortemente uma virada de chave: 

  • “Eu quero viver. Não quero mais só ter que guardar dinheiro para pagar contas.” 
  • “Eu preciso encontrar o meu propósito, não quero mais ser sustentado pelos meus pais. Tenho tudo para ser um sucesso e estou completamente travado.“ 
  • “Esse é o momento para investir na realização de um sonho. Meu coração me disse para ir, fazer, entregar e confiar. Só que para isso, tive que desapegar de um dos meus maiores apegos. Pedi a separação para meu marido. Recebi um tapa quântico! Eu estava acomodada vivendo a vida do meu marido. Agora, eu preciso aprender a viver a minha. Preciso reaprender a caminhar pelas próprias pernas.”
  • “Eu quero realizar meu sonho, ser uma empreendedora. Não quero mais servir a um chefe instável em uma empresa que só me adoece.” 
  • “Eu preciso aprender a descentralizar funções e a ter mais calma. A ansiedade de querer resolver tudo sozinha me trouxe uma gastrite crônica.”
  • “Vivi uma depressão tão forte – as trevas – que tive que tomar medicação e chamar minha mãe – um homem de 45 anos. Ali percebi o que me faltava, o que precisei resgatar dentro de mim. Hoje, parece que se abriu um portal de luz e toda a negatividade ficou para trás.”
  • “Tive um surto de estresse. Cai chorando. Estava em pânico. Percebi que não suportava mais ter que desempenhar tantos papéis sozinha: mãe, mulher, empregada, amiga da irmã, cuidadora da mãe, e ainda ter que suportar a instabilidade emocional de um chefe maluco que chegou para mim e perguntou: O que você quer? É dinheiro? É status? Olhei para ele de volta e disse: Você não está entendendo, quero a minha vida de volta! Quero a minha demissão.”  
  • “Fui demitida da empresa onde trabalhei por 20 anos e ainda sem saber se vou receber algo. Não houve reconhecimento por mim e pelo tempo de trabalho que dediquei. Não sei quem sou sem um avental branco, sem ter a profissão que me sustentou. Sinto que morri e esqueceram de me enterrar.”
  • “Acabei de me aposentar. Estou buscando um trabalho autônomo. Ainda não sei o que quero, mas o ramo de fotografia me agrada. Sempre foi difícil para mim exercitar a autoconfiança. Estou sendo obrigada a trabalhar isso agora.” 
  • “Perdi meu irmão mais novo num assalto. Ele reagiu e levou um tiro. Depois do falecimento do meu pai alcoólatra, agora meu irmão. Desenvolvi pressão alta e diabetes depois disso. Estou cansada de carregar a responsabilidade por todos os problemas de minha família. Sempre fui aquela que apagava os incêndios. Preciso me reencontrar. Preciso resgatar a minha paz interior.”

Casualmente, em meio a esses depoimentos e diálogos com diferentes profissionais de saúde, ouvi de um professor e mestre de acupuntura, diretor de uma escola renomada aqui no Sul do Brasil e com Sede na Espanha, num diálogo bem franco: “estamos todos cansados de mentiras, de falsas verdades, de atitudes descabidas. Precisamos descobrir e nos reconectar com essa identidade divina que nos sustenta, a desenvolver uma existência sustentável. Mas, infelizmente, estamos vivendo a Era da Vulgaridade. Temos que pensar o quê e como vamos dizer algo quando tudo o que você fala, mesmo que de acordo com quem você é, com a generosidade e a experiência para auxiliar, consciente da sua identidade divina, pode ser usado contra você de forma vulgar. Nossa Escola tem Sede em vários países e todos os profissionais do ramo estão vivenciando a mesma coisa. Quando você se levanta e precisa parar para se ajustar, já se prepara para o próximo míssel.” 

Este é um fato, não apenas uma interpretação da realidade. Verificamos isso nas diferentes plataformas, mídias sociais e pelos casos presenciados e narrados. Em função disso, profissionais em diferentes áreas de atuação, que auxiliam o ser humano nesse momento de transição, se perguntam se estão mesmo no caminho fazendo o que é certo, pois estão sentindo essa energia de descrédito e descrença, intolerância e irritabilidade. Então, precisamos nos perguntar: quem somos em meio a tudo isso? Em meio a essa “sopa virtual” de falsas identidades, fake news, falsas personalidades criadas ou oferecidas para nos distrair e afastar da rota da alma?

Quem somos quando nos posicionamos sobre o que pensamos e sentimos? Podemos de fato ser quem somos quando precisamos lutar pela liberdade de expressão? Convivendo com uma tecnologia que censura, autoriza ou desautoriza (usando as próprias pessoas como roteadores do caos)? E onde está a raiz disso? Talvez, na falta de humanidade, no afastamento da fonte de quem realmente somos em essência, em alma, na falta do pulsar pelo caminho do coração, do olhar para a beleza da vida após tantas perdas e o sentimento de estar atravessando um deserto: a noite da alma pessoal e coletiva. 

Na medicina chinesa e em outras práticas orientais, a morada do espírito está no coração, no sentir. Este meridiano em equilíbrio é o responsável por manter toda a estrutura do corpo em ordem, e só nesta constatação, já temos uma resposta estudada há mais de 7.000 anos. Será, então, que os 40.000 neurônios presentes no coração ainda estão querendo nos dizer algo? Uma rede de neurotransmissores com funções muito precisas que o transformam em uma extensão perfeita do nosso cérebro? Será que estamos realmente entendendo o recado dito há milênios: siga pelo caminho do coração? Seguir este caminho também envolve sintonizarmos nossa mente nele através da meditação, relembrando que para resgatarmos nossas sombras vamos precisar seguir por ele de qualquer forma.

Colocando na balança, refletiremos sobre as consequências do que perdemos, do que ganhamos, do que ainda estamos apegados e do que necessitamos desapegar para dar o próximo passo, para desenvolver e progredir na jornada pessoal, considerando o nosso meio e aqueles ao nosso lado. Qual o legado estamos deixando para os bebês que estão nascendo e as futuras gerações através das nossas ações e escolhas no agora? Desde o que perdemos e ganhamos, até os registros no nosso DNA, ficarão as memórias emocionais, os traumas e as perdas dos entes queridos, mas também as memórias de superação renovadas pela perseverança, pela paciência e assertividade, pela compaixão e pelo amor, além da nossa capacidade de transformação interior para avançar alicerçados na fé, na estrutura divina que nos sustenta e que coloca a ordem divina na nossa vida. 

A morte, as doenças e as perdas estiveram e ainda estão muito presentes na vida das pessoas, ecoando na mente, no emocional e no coração. Muitos esqueceram-se do amor à Vida: contemplar o nascer e o pôr-do-sol, pulsar com a harmonia e a perfeição da natureza, desenvolver o olhar para a beleza da vida que convida sempre a celebrá-la, meditar nos recantos sagrados da Mãe Terra, alegrar-se com o canto dos pássaros todas as manhãs e ao cair da tarde. Outros esqueceram-se de que o bom humor em meio às dificuldades também nos ajuda a superar, trazer à luz novamente a parte saudável da nossa criança interior, nossa criança-sol: brincar, dançar, pintar, rir, sorrir das bobagens inteligentes de um filme de comédia, nos dar recompensas equilibradas para compensar o que perdemos – afinal, nosso cérebro funciona assim.

Houveram aqueles que esqueceram-se de si, da necessidade de autocuidado, de autoamor e autocura para conseguir liberar sobrecargas e emoções reprimidas, voltar a sorrir e a viver com um pouco mais de leveza. Esquecemos muitas vezes do alento, do acolhimento, do carinho que precisamos trocar. O isolamento social deixou marcas, feridas e cicatrizes. Perdemos o livre-arbítrio, fomos escravos e prisioneiros por um tempo que parecia uma eternidade. Confrontamos a perda do fluxo natural do ir e vir, o distanciamento dos casais pelo chamado compulsório ao “conserto interior” de cada um, dos filhos ou dos pais com seus filhos pelo medo do contágio, por medos desconhecidos, por termos tido que olhar definitivamente para nós e para tudo o que adiamos.

Distanciamos do fluxo de amor através do qual somos movidos, que nutre os neurônios do nosso coração, que acalma o sistema nervoso e harmoniza os hormônios, que faz vibrar cada célula do nosso ser, que nos traz alegria e propósito para viver. O fluxo curativo do dar e receber amor é aquele que une, que agrega, que coopera, que unifica propósitos. Contudo, é aquele que também causa dores e sofrimentos, que faz adoecer, deprimir e entristecer pela sua falta, que bloqueia as comportas das águas internas que nos hidratam e nos fazem fluir, que fecha as nossas pérolas – nossos sonhos, objetivos e talentos – dentro das nossas conchas, das nossas carcaças de autodefesa, e as joga no fundo do mar, nos tirando o movimento da criação da vida, da expressão da alma, da vivacidade da mente. Um sentimento de aprisionamento que pode impedir o fluxo do sentir, de estar em paz com nosso coração e espírito.    

Este amor-essência, amor-maestro, que nos coloca no lugar certo, na hora certa e no tempo perfeito, que nos permite fluir nas nossas escolhas e confiar diante das decisões mais difíceis, que nos impulsiona a nos entregar com fé e paciência ao porvir – os saltos de fé que precisamos dar “no escuro”, confiando à alma o caminho à frente – que nos traz a clareza e o discernimento para sairmos dos dilemas e estarmos enraizados na nossa missão pessoal: é este amor que estamos sedentos para resgatar de dentro de nós agora! Estamos com sede de viver, de Ser! 

Vamos precisar mergulhar fundo e trazê-lo das nossas raízes, partindo do descobrimento e do desenvolvimento de quem somos, daquilo que nos move e nos dá sentido para acordar todos os dias. Para isso, podemos sintonizar com os nossos ancestrais que já passaram por situações semelhantes e souberam superar, progredir e prosperar por um Bem maior, pela união de forças, pela cooperação e a solidariedade. Trazer essa memória de superação e receber esta força deles. Outra maneira é resgatar a conexão com a nossa Anciã e Ancião Interior, trazer de dentro essa força e união do feminino e masculino em harmonia, a confiança e a coragem que brotam quando sentimos e sabemos que não estamos sós, que somos amparados e apoiados por todos os que vieram antes, pelos círculos sagrados das suas experiências anteriores que nos permitiram estar aqui. 

Resgatar a Anciã e o Ancião Interior implica sintonizar com essa sabedoria ancestral criando uma imagem interna de apoio através da meditação – essa imagem pode incluir alguns dos seus ancestrais, guias ou mentores, familiares ou conhecidos que representaram segurança, força e confiança para você, até mesmo cuidadores na sua infância. A nutrição dessa força que nos sustenta em momentos de profundo desafio, nas nossas maiores transformações e provações, é um exercício diário que vai nos pedir que sintamos o que estamos criando.

Sabemos que a força de uma corrente não é mais forte do que o seu elo mais fraco. Esse provérbio hindu nos mostra justamente isso: até que tenhamos resgatado as partes mais fracas ou vulneráveis de nós mesmos, as partes que precisam ser reconhecidas e resgatadas, transformadas e curadas, vamos desestabilizar com frequência. Vamos cair, mas depois levantar e seguir. É o trabalho de uma vida, mas precisamos dar o primeiro passo.  

Nesse caminhar, nessa jornada interior, nossa maior responsabilidade para conosco é encontrar o máximo de estabilidade interna, levando o tempo que leve – cada um terá o seu tempo para olhar, resgatar, transformar e integrar. Vamos precisar de todos os recursos humanos e terapêuticos que se fizerem necessários para isso, ser pacientes para aceitar o tempo necessário para estarmos trabalhando dentro de nós, ser humildes e solicitar ajuda quando não conseguirmos sozinhos. Negar ou renegar, adiar ou esconder, abafar, anestesiar ou estimular demais, são todas ações que levam aos descaminhos da alma, nos amortecem nas zonas de conforto e nos afastam da fonte de quem somos. Sermos fiéis a quem somos e ao nosso propósito é um caminho.

Uma sugestão que também pode ajudar e nos mantém presentes e em harmonia com o sentir, o pensar e o agir, é: evite querer ser quem você era, querer que as coisas voltem a ser como eram, ruminar diante do que não deu ou do que não está dando certo. É difícil sim, principalmente para mentes tagarelas. Contudo, você e o seu entorno não são mais os mesmos. Você mudou, está mudando, está “trocando de pele” novamente, transformou, evoluiu. Pequenos passos hoje são um grande passo para alguém que, por exemplo, conseguiu começar uma terapia pela primeira vez, sair de uma depressão ou largar um vício, começar um grupo de autocura ou autoajuda, colocar para fora emoções guardadas há anos num diálogo com um amigo, dar o primeiro passo para iniciar um negócio que sempre quis, realizar um sonho, superar um comportamento ou padrão autodestrutivo. 

Enfim, torço para que essas palavras cheguem até o seu coração e inspirem você a continuar a sua jornada interior em busca das partes de si e do seu propósito! Não desista! Persista no caminho que a bússola do seu coração impulsionar você a seguir! E deixo aqui uma frase que caiu como uma luva para este artigo: o impossível não gosta de pessoas atrevidas. Portanto, Atreva-se! Namaste! ❤

Luciane Strähuber – Consultora e Terapeuta Integrativa

(Todos os direitos reservados – Permissão para compartilhar respeitando os créditos da autora)

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