
Com a tamanha discussão presenciada atualmente sobre a aprovação, a execução, os prós e contras das Práticas e Terapias Integrativas, trago uma ótima entrevista que esclarece e norteia o assunto.
Um dos pontos focais, no meu ver importante e que muitos desconhecem por julgamento ou por falta de conhecimento, se trata do seu reconhecimento através das evidências e pesquisas científicas na área, tanto no Brasil quanto em outros países.
Certamente, você já ouviu falar em Reiki, Aromaterapia, Fitoterapia, Homeopatia, Acupuntura, Yoga e Meditação. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) já foram institucionalizadas pelo Sistema Único de Saúde, além de operarem em consultórios e espaços terapêuticos próprios. Hoje, somam 29 modalidades oficialmente reconhecidas.
O que algumas pessoas não sabem é que esses recursos terapêuticos são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde como medicinas tradicionais e complementares, entre as principais: a medicina ayurvédica ou indiana, a medicina tradicional chinesa, a medicina homeopática e a medicina antroposófica.
Desde 2006, o Ministério da Saúde do Brasil, por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPICS), institucionalizou um rol de terapias complementares com o objetivo de promover saúde por meio de uma visão global de cuidado humano. Isso representa tanto ensinar e incentivar o autocuidado quanto implementar os projetos de “cuidando do cuidador”, já acontecendo em vários estabelecimentos de saúde.
Para entender melhor essas Práticas e como elas atuam no Brasil, transcrevo a entrevista realizada pelo ISaúde Brasil. Quem responde é a professora do curso de Biomedicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, gestora do Centro de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, Renata Roseghini.

- O que são as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)?
Renata Roseghini – As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) são tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, também denominadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como medicinas tradicionais e complementares.
Compreendem sistemas médicos complexos: a Medicina Tradicional Chinesa, a Medicina Ayurveda, a Homeopatia e a Medicina Antroposófica, e recursos terapêuticos: aromaterapia, arteterapia, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, plantas medicinais/fitoterapia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, termalismo/crenoterapia, dentre outras.
Ambas atuam numa visão ampliada do processo saúde-doença, voltada à promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado. Em alguns casos, também podem ser usadas como tratamentos paliativos em pacientes com doenças crônicas.
“É importante destacar que as Práticas Integrativas em Saúde são reconhecidas internacionalmente, tanto pela OMS quanto por diversos países como uma experiência de referência em implantação das medicinas tradicionais e complementares em um sistema nacional de saúde, sendo esse um dos principais motivos pelos quais essas práticas são incorporadas de forma integrada no cuidado à saúde no SUS, e não são inseridas como uma estrutura alternativa ao sistema, como em alguns países.

- Existem evidências científicas da efetividade dessas práticas?
Renata Roseghini – Sim, muitas. A produção de pesquisa no Brasil e no mundo vem comprovando a efetividade das PICS. As evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares.
O Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa, criado em 2017, está montando mapas de evidências para as 29 PICS reconhecidas no Brasil. O grupo formado por pesquisadores iniciou um cadastro de todos os cientistas que estudam o tema em diferentes campos. Foram cadastrados, até o momento, mais de 600 nomes vinculados a 60 universidades do país.
Desde de março de 2018, foi criada uma plataforma de acesso a periódicos na área das PICS, a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) – MTCI, em parceria com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e a Bireme, facilitando o acesso e a publicação de artigos na área.
Além disso, um levantamento parcial do Observatório Nacional de PICS (ObservaPICS), criado em 2018, indica a implantação crescente dessas práticas, presentes em 4.323 municípios brasileiros, com a existência de 568 grupos de pesquisa no país, estudando desde o princípio ativo de plantas medicinais a aspectos antropológicos das tradições de cura.
Este movimento de fortalecimento das PICS no SUS ganhou força com o nascimento da REDEPICS-Brasil, em 2016. A REDEPICS é composta por profissionais que realizam as práticas no SUS e em outros espaços. Essa rede promove também a troca de informações diariamente, por meio da sua página no Facebook.

- Quando o SUS começou a implementar a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, em 2006, eram apenas cinco práticas disponíveis à população: medicina tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, medicina antroposófica, termalismo e fitoterapia. Atualmente, esse rol conta com 29 práticas. O que transforma uma atividade terapêutica em uma PIC?
Renata Roseghini – Como dito anteriormente, as práticas denominadas integrativas e complementares estão ancoradas em racionalidades diferentes do modelo mecanicista, racionalista e reducionista atual. Elas envolvem conceitos filosóficos ampliados sobre a compreensão do processo saúde-doença e a promoção global do cuidado, especialmente do autocuidado.
São práticas compreendidas como abordagens, que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.
Resgatam também as práticas milenares ancestrais e tradicionais de cura e prevenção de doenças, como as medicinas indígenas, a medicina tradicional chinesa e o Ayurveda. A inclusão dos recursos terapêuticos como PICS tem sido realizada pela equipe técnica da Coordenação de PICS do Ministério da Saúde.

- Quais são as barreiras de implementação de PICS dentro de unidades de saúde? Há algum conflito com a medicina tradicional?
Renata Roseghini – A barreira mais importante é o financiamento. A não existência de uma política municipal e estadual onde a unidade de saúde está inserida dificulta a inserção destas. Isso porque a política nacional das PICS não institui o financiamento dessas práticas no SUS.
Não havendo recurso indutor para implementação das PICS no SUS, a implementação e implantação na atenção básica e nos demais níveis de atenção dependem, exclusivamente, da criação de políticas municipais e estaduais que definam a utilização dos recursos para tal.
Mesmo assim, em muitos municípios onde ainda não há uma PNPICS, as práticas conseguem ser implantadas por esforço das equipes envolvidas, atuação de muitos profissionais voluntários e por meio de parcerias com universidades públicas e privadas.
Em segundo lugar, vem a questão da capacitação dos profissionais de saúde para atuação nas PICS. Muitos dos serviços de saúde que incluem as PICS já possuíam profissionais habilitados para tal, que foram deslocados de suas funções originais para atuação em PICS.
Com a procura crescente pelas PICS no SUS, houve a necessidade de ampliar a capacitação de profissionais através de cursos presenciais e a distância pelo AVASUS – cujos cursos envolvem Medicina Tradicional Chinesa, Medicina Antroposófica, Fitoterapia e Gestão em PICS, promovidos pelo Ministério da Saúde.
Por fim, o êxito na implementação das PICS nos diversos níveis de atenção vem se consolidando graças à articulação em rede dos atores em PICS (REDEPICS) que compartilham e se apoiam mutuamente, bem como pelo suporte de consultoria que a equipe técnica da Coordenação de PICS do Ministério da Saúde tem fornecido.
A resistência pelos profissionais que seguem o modelo vigente é natural e diretamente proporcional à falta de conhecimentos sobre as PICS, principalmente sobre as evidências e experiências. Na medida em que as equipes recebem mais informações e vivências em PICS, tornam-se parceiras na adoção dessas práticas complementares, uma vez que além de possuírem baixo custo, trabalham juntos nos alicerces da integralidade e humanização do atendimento no SUS.
Nesse sentido, os materiais produzidos pelo Ministério, sejam os técnicos ou os de comunicação, são essenciais para a mudança de paradigma e ampliação do olhar e da oferta terapêutica que as PICS propõem.
É necessário também avançar na garantia dos medicamentos e insumos das PICS, como os medicamentos homeopáticos, antroposóficos e fitoterápicos, assim como os insumos da Acupuntura e das outras técnicas da Medicina Tradicional Chinesa. Isso inclui também o campo regulatório dos produtos e medicamentos relacionados às PICS, como os produtos da medicina chinesa, do Ayurveda, dos florais, entre outros.

- Como o paciente pode ser encaminhado para uma dessas práticas dentro da atenção básica e como esses terapeutas podem participar do atendimento?
Renata Roseghini – O fluxo de encaminhamento dentro das unidades de saúde que oferecem PICS varia bastante em função das diferentes configurações de implantação e implementação dessas práticas.
Normalmente, as unidades que as possuem sinalizam os serviços para os usuários, e estes podem tanto ser encaminhados pelos profissionais de saúde da unidade quanto escolher a prática que desejam receber. Em algumas unidades, há ainda a possibilidade de triagem inicial dos pacientes para as práticas mais adequadas para cada indivíduo.
Com relação à participação dos terapeutas nos atendimentos, há algumas possibilidades de inserção desses profissionais. Uma delas se dá por meio dos próprios profissionais da Atenção Primária em Saúde (APS) que praticam as PICS e, nesse caso, é necessário que eles tenham competência para tal.
Outra possibilidade ocorre quando há profissionais na APS que só praticam alguma PIC em paralelo aos seus colegas que realizam o cuidado convencional. Neste caso, estes profissionais são contratados para tal. O terceiro modo se dá por meio de núcleos de apoio à saúde da família (NASF) ou outras equipes de apoio. Outra forma também é possível quando profissionais de alguma PIC atuam em serviços especializados ou hospitalares, ou serviços especializados em PIC.

- Como esses tratamentos têm sido recebidos pelos pacientes?
Renata Roseghini – Nesta perspectiva de atendimento mais humanizado, há escuta acolhedora e protagonismo do paciente sobre a sua própria saúde, por isso os pacientes não só se sentem mais acolhidos como também complementam o tratamento que já realizavam.
Os relatos dos pacientes que usufruem das práticas são de melhora do sono, melhora das condições emocionais e de sensação de bem-estar, o que vem sendo reforçado pelas pesquisas sobre as evidências dessas práticas, inclusive em tratamentos de doenças crônicas, agudas e do controle das dores.
Mais interessante é que as unidades de saúde que oferecem as PICS acabam por proporcionar esse cuidado não somente aos usuários que as frequentam, mas também aos profissionais que lá exercem o seu trabalho. Cuidar dos cuidadores é essencial para que o ambiente de saúde seja estabelecido.

- As PICS têm chegado a outros ambientes, como trabalho, escola, universidades etc. Qual é o propósito de iniciativas como essa dentro do âmbito da saúde?
Renata Roseghini – Um dos principais desafios das PICS é suprir a falta de informação e de conhecimento sobre suas formas de cuidado em saúde. Dessa maneira, é de extrema importância que as práticas sejam apresentadas, não só teoricamente como também de forma vivencial, para que toda a população tenha acesso e possa se tornar usuária.
Nos cursos de saúde, é de fundamental importância que os futuros profissionais conheçam essas formas integrativas e complementares de cuidado para optar em suas formações ou futuramente encaminhar os pacientes às práticas de forma assertiva.
Conhecer novas formas de promoção e prevenção à saúde, saindo da “perspectiva curativista”, tão incutida na população, e caminhando para o cuidado e autocuidado é um dos objetivos de se trazer as PICS para o local de trabalho, a escola e a universidade.
Fonte original da entrevista: https://www.isaude.com.br/noticias/detalhe/noticia/o-que-voce-sabe-sobre-as-praticas-integrativas-e-complementares-em-saude-pics | Rede de Práticas: https://www.facebook.com/RedePICSBrasil
Referências do artigo e da entrevista: 1. AMADO, D.M.; ROCHA, P.R.S.; UG | 2. ARTE, O.A.; FERRAZ, C.C.; LIMA, M.C.; CARVALHO, F.F.B. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde 10 anos: avanços e perspectivas JMPHC. J Manag Prim Heal Care. 2017; 8(2):290-308. | 3. BRASIL, Ministério da Saúde. Glossário temático: práticas integrativas e complementares em saúde, Secretaria-Executiva, Secretaria de Atenção à Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018. 180 p. | 4. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC-SUS, Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 92 p. | 5. OBSERVAPICS. Evidências: Boletim quadrimestral do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde. 2019, 1 (Jan-Abr). Disponível em: http://www.observapics.fiocruz.br. | 6. TESSER, C.D. Práticas integrativas e complementares e racionalidades médicas no SUS e na atenção primária à saúde: possibilidades estratégicas de expansão. J Manag Prim Heal Care. 2017; 8(2):216-232