“No processo de entrega ao longo da jornada, moldados que somos pelos ciclos de morte e renascimento, precisaremos passar por três etapas: a conclusão, a aceitação e o desprendimento. Essa entrega nos exige ao mesmo tempo a totalidade e a presença. Junto dela vem a espera, mas uma espera ativa, que nos coloca em pé e à ordem, sempre prontos para receber algo novo e perceber os próximos passos.
A primeira etapa envolve concluirmos os ajustes e as pendências que planejamos nesta vida, pré-determinadas pelos trilhos da consciência e do destino, ações no recolhimento que nos mantêm no eixo de equilíbrio do ser.
A segunda envolve aceitarmos tudo o que vier para nós no período, tudo o que tivermos que experienciar, seja harmônico ou desarmônico, mas que envolva aprendizado, crescimento, desenvolvimento humano e evolução para nossa alma. Essa aceitação significa nos alegrarmos com a vida todos os dias, sermos gratos pelo que somos e pelo que temos, pela vida que recebemos e por aqui estarmos desempenhando o nosso propósito. E isso não se trata de felicidade, ser feliz aqui é relativo porque a fórmula da felicidade pode ser diferente para cada um. Trata-se de alegrar-se e ser grato, apenas.
A terceira envolve fazermos as pazes com o nosso passado, com tudo aquilo que porventura ficou mal resolvido por nós e dentro de nós, para assim podermos nos desprender dele com amor e compaixão, com o senso de tarefa cumprida perante os que por nós passaram e pelo que vivemos. Nos desprendermos também daquilo que não podemos mudar, do que não nos diz respeito, que não nos pertence, que não está sob a nossa responsabilidade e o nosso controle. Incluem-se os padrões e as crenças limitadoras, as peles e as carapaças antigas, as máscaras sociais e pessoais que já não servem mais para o agora. Significa nos reinventarmos, renascermos de dentro de nós: abraçarmos o nascimento de um novo eu a partir da morte de um antigo, uma velha e inutilizável identidade.
No ínterim desse processo, que está além do tempo humano – muitas vezes fora dele e dentro do tempo da alma – vamos experienciar momentos de desalento e de certa opressão, de silêncio e solitude, com sensação de angústia e lentidão, como se nada estivesse acontecendo. Contudo, basta nessa hora lembrarmos do bambu, do tempo que ele leva enraizando nas profundezas da terra até que se possa ver seus troncos nascendo em direção ao sol – e lá se vão de quatro a cinco anos para o bambu começar a admirar os primeiros raios do astro rei.
Em meio a esta espera preciosa, lembremos que existe uma energia estrutural, uma base que estrutura todo esse processo e que pode ser comparada às raízes de um bambu: a energia da criação. O ato de criar é uma ação que acontece em três tempos simultaneamente. É um ato multidimensional: está no passado, no presente e no futuro, por essa razão está além do tempo humano e ainda assim dentro dele. Um quadro pintado por Da Vinci, por exemplo, foi criado no passado mas permanece sendo lembrado no presente, e seguirá existindo no futuro pelo significado histórico, simbólico e artístico que deixou à humanidade. Afinal, o que foi criado não pode ser desfeito, está registrado nos trilhos do tempo, até mesmo um antigo pergaminho da biblioteca de Alexandria destruído durante a Idade Média.
Quando criamos através da conexão com a alma, colocando amor, alegria e prazer no que fazemos, seja por meio de dons e talentos natos – onde o ato criativo começa a despertar – seja através de uma ação que incentiva a nossa criatividade, nos posicionamos dentro de uma correnteza fluída, forte e multicolorida, representada pelos ciclos universais da criação, uma força que nos convida a seguir e confiar. Através dessa força, nos sintonizamos com as infinitas possibilidades existentes nesse ato criativo, o que nos permite entrar num espaço de paz profunda, de foco e concentração, no aqui e no agora, no fluxo da espera com prontidão. Permitimos, assim, que a mente seja canal e ferramenta para materializar as nossas criações, à semelhança da união das palavras desse texto ou de uma paleta de cores que compõem uma tela, uma arte.
Durante essas etapas, o corpo relaxa, a mente se rende, o espírito acolhe e o emocional se integra como uma gota de água no oceano, e assim seguimos aprendendo e estabilizando. Muitos tem medo e fogem desse processo de entrega e espera porque acreditam que ele é somente morte, vazio e solidão. De fato, eles fazem parte dele: a morte, o vazio e a solitude, mas também a vida, a criação e a plenitude. Essa plenitude é alcançada e sentida pelo próprio ato de criar, que acontece de forma fluída, sem esforço, assim como ligar o ‘piloto automático da alma’.
A entrega com prontidão é viver o agora, é criar e renascer após as inúmeras mortes no caminho, sempre prontos à espera do próximo passo, entregues a tudo o que o universo nos traz porque nos alegramos com a vida. Essa é uma ação no recolhimento, é o ócio criativo, é a felicidade como um estado do ser. Essa entrega total nos liberta, nos fortalece, nos estabiliza para que possamos seguir cada vez mais conscientes, mais leves, criativos e sábios.
Alegrar-se todos dos dias com a vida é uma prática não mental, é um estado, é Ser. Ser além do que é rotulado como felicidade, encontrando o próprio ritmo, aceitando todas as emoções que precisam vir à tona, honrando nossas luzes e sombras, defeitos e qualidades, erros e acertos, porque de tudo isso somos feitos. É uma forma de nos entregarmos à nossa totalidade. Ao final, é olhar para este todo e poder dizer com humildade e simplicidade: ‘Nossa, quanto evolui!’ Esse estado do ser é uma conquista. E isso só conseguimos porque nos entregamos aos desígnios da alma, a um fluxo que não é governado pela mente, ouvindo a intuição e a voz do coração, permitindo que o ego adormeça para que a alma acorde.”
Mensagem de ©YEHUÁ – Por Luciane Strähuber