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Mesmo que existam “13 Razões”, sempre haverá uma saída

Muito tem se ouvido falar a respeito da polêmica série lançada recentemente pela Netflix, 13 Reasons Why, com produção da atriz Selena GomezO seriado é baseado nos livros Os 13 Porquês ou 13 Razões, do escritor Jay Asher, e conta a história do suicídio da adolescente Hannah Baker e o que a motivou a cometê-lo. Antes de morrer ela grava uma série de fitas cassete contando suas experiências, ponto de vista e sentimentos relativo a pessoas diferentes com quem conviveu: amigos, ex-amigos, colegas de escola. As fitas passam a ser ouvidas por cada pessoa que, segundo ela, a magoou, cometeu bullying ou, simplesmente, não ajudou e a ignorou nos momentos em que mais precisava. Na série, o personagem principal Clay Jensen ouve 13 fitas contendo a versão de Hannah ao longo dos 13 episódios.

Mesmo antes da Série ser lançada, uma dúvida ficou no ar: por que a atriz e produtora Selena Gomez não quis atuar, já que seria dado a ela o papel principal? A resposta foi:“Eu estava em um momento muito ruim quando a produção da série começou. Fiquei afastada de tudo durante 90 dias e conheci várias pessoas com os mesmos problemas enfrentados por esses personagens. Eu não conseguiria fazer. Estava lá no último dia de gravação e fiquei acabada assistindo, porque eu passei pela mesma coisa”, revelou. Penso que esse fato contribuiu para as cenas terem sido tão fidedignas à realidade vigente.

Diferente de ser apenas uma série de entretenimento, logo no início já é anunciada uma mensagem de ajuda, o que do meu ponto de vista foi um grande diferencial para os resultados que foram alcançados até então. Segundo o Centro de Valorização da Vida – site que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por: telefone, email, chat e Skype 24 horas, todos os dias – desde a estréia da série, a quantidade de emails com pedidos de ajuda aumentou 445%, havendo uma alta de 170% na média diária de visitantes no site. A maioria dos pedidos de ajuda foram de jovens que se identificavam com a dor da personagem principal. 

Nesse contexto, para quem já assistiu, para quem já conviveu ou esteve próximo de alguém que já passou por isso, sabe que é impossível ficar calado e conter o desejo intrínseco de divulgar, de ajudar, de passar adiante o objetivo principal comunicado aqui: o suicídio nunca será uma opção! E em se tratando do fato de que o suicídio está sendo a 2ª maior causa de morte entre jovens – estatística mencionada pela equipe multidisciplinar da Série, incluindo psicólogos e psiquiatras – não apenas nos EUA mas também no Brasil, então, precisamos mais do que nunca falar sobre isso.

Por ter conhecido e tratado pessoas que tentaram suicídio, tanto nos anos que trabalhei como terapeuta quanto na fase de minha adolescência – conseguindo auxiliar muitos a sair desta “aparente” rua sem saída – sei o quanto é difícil lidar, compreender e perceber os sinais por parte dos familiares, pessoas conhecidas ou envolvidas emocionalmente. Foram pacientes, colegas de trabalho, amigos, parentes e vizinhos, afinal, quem nunca ouviu falar sobre alguém que já pensou ou está pensando em suicídio?

O importante é sabermos que isso acontece, que pode ser com qualquer um próximo de nós, e precisamos estar preparados para encarar esta verdade e ajudar no que for preciso. Se não soubermos como, busquemos apoio nas instituições e movimentos destinados a isso, nas linhas de diálogo anônimo, no trabalho de psicólogos, psiquiatras e constelações familiares, porque certamente se esse caminho está sendo uma opção, é porque o “furo emocional” está em algum lugar no passado deste ser humano. Esta é quase sempre a chave que se esconde por trás do véu: desestruturação familiar.

Poderia citar aqui muitos casos pelos quais estive frente à frente com esta face “crua, vazia e escura” que o suicídio representa – sem falar no impacto espiritual que essa escolha gera como consequência. Mas, como estou aqui para falar das soluções que levam de volta à sanidade e não à loucura, um dos exemplos louváveis que presenciei foi de um diretor de uma escola em que trabalhei, diante do primeiro caso de um aluno que havia tentado suicídio em sala de aula, durante o intervalo. Ao ficar sabendo do ocorrido, o diretor em questão ligou para a mãe para avisá-la, pedindo sua presença imediatamente. Mas, a resposta que ouviu foi mais ou menos esta: “Desculpe, estou ocupada, no Salão. Vou pedir para meu motorista ir até aí.”

Pois o diretor não teve dúvida e foi até o salão de beleza onde esta dita “mãe” se encontrava, “rodou a baiana” e disse que a levaria arrastada até a escola, se fosse preciso. Por ter conhecido e trabalhado com ele no passado, cujo filho já tinha histórico de síndrome de down e déficit de atenção, considero louvável esta e outras atitudes que presenciei diante de casos como este, pois é isso que os filhos que tentam o suicídio esperam dos pais: presença! Esse é um ingrediente mais do que necessário nestes casos.

Outro caso que gostaria de citar começa com essa frase: “homem, só por ser homem, já é bonito”. Você vai se perguntar, o que esta frase tem a ver com suicídio? Então, a frase em questão está ligada ao histórico de uma mulher, provinda de uma família do interior, com poucas condições, regida por homens rígidos, conservadores e, às vezes, agressivos. Esta mulher não teve prazer em ser mulher, não teve amor em ser mãe porque também não recebeu amor. Ao longo da vida, não esteve confortável com seu papel como mulher porque, simplesmente, foi ensinada a enaltecer o sexo masculino numa época em que as mulheres não tinham “voz ativa” para expressar o que de fato eram, gostavam, queriam ou gostariam de ser, submissas ao eterno “deus fálico”.

Esta mesma mulher, após dois filhos, decide fazer ligadura, não desejando mais ter filhos para conter gastos. Mas, a consciência materna regente pela providência divina decide trazer mais um filho, para a surpresa de todos. Com isso, já na fase intra-uterina, aquela consciência estava sendo rejeitada e passou sendo rejeitada por toda sua trajetória, a ponto desta mulher ter “permitido” que este mesmo filho fosse abusado sexualmente pelo pai – cujo pai também havia sido abusado anteriormente. Este filho, rejeitado desde a fase intra-uterina, tentou suicídio mais de uma vez, mas…ainda não era a sua hora.

A rejeição virou abandono – e me refiro aqui ao abandono emocional, psicológico, espiritual, aquele que cala, que é capaz de esvaziar as fagulhas internas de vida, o brilho nos olhos de uma criança, aquele que é capaz de criar “buracos” na alma que podem se tornar fontes nutridoras para predadores e hospedeiros perversos. Mas, na última tentativa, uma luz se fez na escuridão. A noite tornou-se dia e aquele momento que poderia ter sido de morte foi um marco de renascimento. Alguns anos depois, este jovem virou adulto e um exemplo de superação, ajudando inúmeras pessoas como conselheiro e “terapeuta de vida”, um dom que desabrochou a partir de sua própria experiência, lhe trazendo força para continuar e superar.

Nessa introdução com relatos verídicos, recordando os casos que pessoalmente acompanhei, venho falar desta série fabulosa, visivelmente esculpida com dedicação e seriedade por quem a criou, longe de ser apenas uma “Série Teen”, mas visando abordar temas como: suicídio, bulliyng, estupro, contrabando de armas, drogas, violência de gênero. E além deles, abordando todo tipo de problema que esta fase envolve, num momento em que todo jovem ainda está tendo que lidar com a montanha-russa de transformações que acontecem no cérebro, no corpo, com hormônios e emoções, tudo ao mesmo tempo.

É importante mencionar aqui que os pais da nossa geração – digo a geração dos 40 em diante – não viveram esta Era Digital como acontece com os jovens de agora e, por isso, muitas vezes, não sabem como lidar porque não tiveram esta experiência, muito menos sabem o que significa cyberbullying ou bullying virtual. Portanto, penso que aqueles da “nossa geração” que tem a informação, que conhecem os mecanismos e processos dessas questões tem a responsabilidade de divulgar, de falar a respeito, de passar adiante e auxiliar aqueles que desconhecem o assunto. Para tanto, recomendo a série a todos os pais e familiares que ainda tentam compreender o comportamento dos seus filhos, dos seus irmãos, dos seus primos, sobrinhos e conhecidos.

Estejamos atentos aos jovens ao nosso redor, porque todo ímpeto suicida deixa sinais e, antes do ato propriamente dito, da escolha tomada, este jovem irá chamar a sua atenção, de alguma forma. Não esperemos alguém tomar uma atitude drástica como essa, estejamos focados na prevenção! E para os que porventura estejam lendo este post e pensando nisso, a você falo agora; tenha a certeza que sempre existe uma saída, uma luz no fim do túnel, porque sendo covardia ou coragem – como muitos julgam – tirar a própria vida nunca é e nem nunca será uma opção.

Aos que já passaram por isso, sugiro assistir com cautela, atentando para o fato de não assistir as cenas mais fortes que a própria série alerta antes de iniciar o referido episódio. Dê a você o limite necessário. Concordo com o psiquiatra Luís Fernando Tófoli quando, segundo um artigo sobre a série, diz: “O principal erro da série é, de longe, mostrar o suicídio de Hannah. A cena, que acontece no episódio final, é absolutamente desnecessária na narrativa e claramente contrária ao que apregoam os manuais que discutem prevenção de suicídio e mídia. Chega a ser absurdo que os autores da série ignorem completamente o que indicam explicitamente as recomendações da Sociedade Americana para Prevenção do Suicídio, que foram publicadas após a morte do ator Robin Williams – https://goo.gl/vAQkg6 (…)”. Penso, apenas com essa ressalva, que essa cena poderia ser um “gatilho” de incentivo e não de prevenção, mesmo que o intuito em mostrá-la tenha vindo com intenções de apregoar o oposto.

Diante da polêmica, a Netflix afirmou ter tratado o assunto com o máximo cuidado, recorrendo à consultoria de especialistas durante a produção. Isso se apresenta no final do último episódio, com um documentário de 30 minutos, onde toda a equipe da série, incluindo os atores, falam abertamente sobre o tema, o que é ótimo do meu ponto de vista para esclarecer todos os rumores. Nele, o desenvolvedor do programa, Brian Yorkey, afirma que se trabalhou duro para que as imagens da morte de Hannah não fossem gratuitas: “Queríamos que fosse difícil de ver, para ficar claro que não há nada que valha a pena (no suicídio)”.

Assim, para os que querem ajudar, assistam com acuidade e presença, estejam atentos aos detalhes. Procure identificar se você conhece alguém que esteja passando pelos mesmos problemas, tendo comportamentos semelhantes e dando os mesmos sinais. Segundo algumas reflexões abordadas, a questão é: precisamos ressignificar a forma como nos tratamos uns aos outros, precisamos melhorar essas relações e a estrutura familiar. Caso não possamos melhorar ou mudar a estrutura familiar, podemos melhorar a nós mesmos e recomeçarmos.

Lembre-se: por mais difícil que possa parecer, por mais vazio que possa estar, por mais indecifrável que seja o sentimento, por mais escuro que possa parecer o caminho, sempre existe uma saída, sempre existe uma escolha que leva a uma solução. A Vida sempre convida a celebrá-la e nunca desiste de ninguém, porque enquanto estamos vivos, temos a vida vibrando dentro de nós, mesmo que não possamos senti-la a todos momento. Ainda assim, ela está lá.

Seja forte, seja corajoso, fale sobre isso: o que de fato nos cura é podermos falar sobre os nossos sentimentos, não trancafiá-los à sete chaves numa gaveta dentro de nós e jogar a chave fora. Vá em frente, encontre um sentido para viver. Se não tiver um, construa e crie um sentido para se reconectar com a vida, e se não conseguir sozinho, busque ajuda. Você será sempre aquele por quem você tem esperado, portanto, faça o melhor por você, espere o melhor de você, sempre! E “o melhor” de você não são os “rótulos” que você recebe, mas as escolhas que você faz ao acordar todos os dias para ser o que você é, a escolha de ser digno por estar vivo! Um grande e carinhoso abraço! ❤

Por Luciane Strähuber – Educação Terapêutica Integrativa

ONDE BUSCAR AJUDA

> Centro de Valorização da Vida
Oferece ajuda por telefone, chat, skype, e-mail e presencialmente
Telefones 141 (24 horas, para todo o país) e 188 (gratuito, apenas para o RS)
www.cvv.org.br

facebook.com/cvv141

> Programa de Depressão na Infância e Adolescência, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, tem limitações de atendimento, mas é possível pedir encaminhamento para lá em qualquer posto de saúde pública. O Setor presta atendimento para bebês, crianças e adolescentes, de zero a 18 anos, e suas famílias.

Contato: Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência – Local: 4° andar – sala 400N/ Horário: de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h30/ Telefone: (51) 3359.8413/ Secretária: Clarissa Paim (cfpaim@hcpa.edu.br)/ Chefia: profª. Ana Soledade Graeff Martins (anamartins@hcpa.edu.br)

SITES COM ORIENTAÇÃO

> Setembro Amarelo
Movimento Conte Comigo
Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio
> Cartilha Suicídio: Informando para prevenir/ Produzida pela Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina. Disponível no site do CVV, na aba Conheça Mais ou em zhora.co/cartilha-prevenir