Artigos, Terapias Integrativas

O “Lado B” da Quarentena: Crie Cura no Recolhimento

Imagine se de uma hora para outra não tivéssemos alguém para conversar e compartilhar a vida? Se ficássemos sem internet e qualquer possibilidade de interação social? Qual seria a sua reação? O que você faria? Essas perguntas respondem ao resultado de muitos distúrbios emocionais e mentais do período atual, o que estou chamando de: “Lado B” da quarentena.

É nessa hora que vem um chamado forte da alma, que nos convida a relembrarmos das “atividades analógicas”, da vida que existe, sempre existiu e continuará existindo fora do caos e da realidade virtual, da profunda mudança cultural que nos arrasta para um novo paradigma social. Novamente, estamos sendo chamados a voltar para “o natural”, para o contato com as coisas simples e essenciais, com tudo aquilo que enche de significado a nossa humanidade nata, a solidariedade com respeito e a solitude com auto-amor.

Se ficarmos focados apenas nas notícias divulgadas pelas mídias de massa, estaremos fadados a frustração e ao fracasso, completamente expostos à frequência negativa de tragédia e pânico incutidas no mental coletivo – uma ferramenta nociva de controle já muito conhecida – resultando num declínio do estado equilibrado da mente, do corpo, do emocional e do espírito.  

Isso não significa que devamos estar desinformados, mas muitos de nós sabemos que o que está sendo divulgado nem sempre é a verdadeira face da moeda. Em tempos de fake news, do uso abusivo do termo pandemia e de notícias muito bem construídas para os interesses de poucos, é preciso manter ativo o nosso observador interno com filtros que buscam a informação real, mas também procurar acessar os filtros de proteção através da alma, evitando perder o foco no propósito e no que é importante para o agora.

SAÚDE MENTAL E EMOCIONAL

Com o isolamento social e a situação atual mundial, precisamos levar também o nosso olhar para uma outra direção: o aumento dos índices de solidão, depressão, ansiedade, angústia, medo e pânico, quadro que tende a potencializar distúrbios mentais e, ainda assim, criar desequilíbrios na saúde física e psicológica. 

Há pessoas que já sofriam desses distúrbios antes. Outras começaram a lidar com essa condição psicológica durante o isolamento compulsório. Assim, de todos os efeitos que a situação atual pode ter sobre a saúde mental, os transtornos de ansiedade são os mais frequentes.  Mas, o objetivo desse olhar é um só: trabalho interno para reencontrar a sanidade.

Fatores como a incerteza profissional e de um negócio próprio, problemas pessoais de relacionamento e familiares, o medo em relação a novos surtos de contágio ou o efeito do próprio confinamento geralmente são agravantes. Um estudo realizado pelo Dr. Gran Shields, da Universidade da Califórnia, destaca que a personalidade pode variar quando nos encontramos em uma situação em que o estresse é constante. 

Por outro lado, se essa situação for resolvida o mais rápido possível, o efeito será mínimo. Do meu ponto de vista, essa é uma informação preciosa: agir antes que o desequilíbrio se torne crônico. Portanto, se você sofre ou conhece alguém com algum dos distúrbios citados, sentindo desequilíbrios constantes, busque ajuda terapêutica de um profissional habilitado. O silêncio não é uma forma de proteção para você nesse momento.

Através daqueles que tenho auxiliado nessa quarentena de forma terapêutica, percebo que o gráfico crescente desses distúrbios tem ocorrido porque muitos não tinham ou não destinavam tempo para cuidar de si, para olhar para o seu interior, seja porque não podiam pelos afazeres da vida, pela família, pelos filhos, seja pelo trabalho ou porque não queriam mexer na “ferida” – faço essa observação respeitando o tempo de cada um dentro do seu próprio cenário de vida e família.

CAMINHOS DA DOENÇA E DA CURA

Em qualquer terapia há uma vertente de pensamento: o caminho da doença é o mesmo da cura. A doença é um alerta do corpo para nos proteger. É a placa de PARE! Se você olha e reconhece a doença, procura parar, compreender a sua mensagem e encontrar a raiz pela qual ela se manifesta, então é possível encontrar um meio para chegar à cura. Na maioria dos casos, há a substituição de um vazio emocional, um trauma não reconhecido, um problema de família renegado, um bloqueio traumático inconsciente e qualquer outro problema por “ocupações” das mais diversas. 

Essas ocupações podem estar relacionadas a compensações que viciam e nos tiram o foco do que precisamos ver, que ocupa o ligar e tira energia do que precisamos realizar no presente. O vício, nesse caso, é tudo o que escolhemos fazer em excesso e pelo qual não conseguimos deixar de depender – incluo aqui a dependência aos meios virtuais como forma de fuga da realidade, assim como o vício a outras pessoas para nos sentirmos bem. 

A propaganda de que vamos precisar dos meios virtuais mais do que nunca agora – mesmo que de fato sejam úteis para nos comunicarmos – não substituem o contato humano e a necessidade de pertencer. Existem muitas pessoas com depressão, crises de ansiedade, angústia e pânico mesmo fazendo uso dos meios virtuais.

Um exemplo disso foi uma pesquisa realizada no Reino Unido, país onde a solidão dos idosos já é um problema grave de saúde pública. Foi comprovado que aqueles que permanecem solitários, sem contato humano, tem os mesmos níveis de estresse de uma pessoa que fumou 15 cigarros num dia. Outra pesquisa também mostrou que os sinais de perigo ativados no cérebro pela solidão afetam a produção de glóbulos brancos, o que pode prejudicar a capacidade do sistema imunológico de combater infecções. E outro agravante são as famílias que estão sendo desfeitas por causa do excesso e do não limite ao acesso virtual.

Isso tudo ocorre para preenchermos a necessidade de pertencimento e reconhecimento que muitas vezes não temos na vida, começando pelo núcleo familiar de origem. Essa realidade é análoga a um “buraco emocional”, algo que ainda esperava para ser olhado e reconhecido, para que pudéssemos começar a jornada de cura em direção a ações internas que nos levam a soluções mais equilibradas e sadias, mesmo que a longo prazo. 

Em outros casos onde esses distúrbios já são crônicos, o quadro fica ainda mais difícil, porque nem todas as pessoas com esses distúrbios cíclicos buscam ajuda terapêutica, acham que não precisam ou não estão em condições de pedi-la, gerando um verdadeiro redemoinho de caos e atingindo todos os que estão ao seu redor. Essa dinâmica se assemelha a um buraco negro que consome energia criativa e vital do que está ao redor. 

Nesse contexto, a partir do que tenho presenciado e ao longo de anos de trabalho com terapia familiar, me refiro aos casos neuróticos que alguns vivenciam num determinado momento da vida ao reconhecer que seu sistema familiar é doente ou disfuncional. Essa doença muitas vezes é materializada em uma ou mais pessoas do sistema de forma repetitiva, ao longo de gerações. É o que chamamos de padrões transgeracionais.

Esses padrões resultam em casos crônicos ou cíclicos porque tendem a se repetir, até que o problema, a pessoa doente ou a doença dentro da família seja olhada e reconhecida pelos membros mais próximos da pessoa que manifesta o distúrbio, sem “romantizá-la”. Reconhecer a realidade como ela é, os sentimentos internos que nem sempre são bons e a necessidade de auxílio em meio à solidão que o isolamento pode gerar, já é um grande passo.

Pais traumatizados, por exemplo, que não tiveram oportunidade, que não buscaram ou não buscam tratar-se e conhecer-se, acabam perpetuando padrões destrutivos e prejudiciais ao seu redor sem perceber, tendo como resultado filhos traumatizados que, por sua vez, também necessitam de tratamento. E esses pais de hoje provavelmente também foram filhos de pais traumatizados. Esse ciclo se perpetua até que um membro do sistema interrompa o processo neurótico e destrutivo, começando pela sua própria cura e equilíbrio interior – visando mudar exclusivamente a si e a sua realidade, mesmo que a família não mude.

Nessa quarentena, a rememoração, a revivência de traumas ou a re-traumatização têm sido recorrentes. Contudo, se vermos esse momento como uma oportunidade para aparar as arestas, para nos conhecermos mais, nos cuidarmos, olharmos e resolvermos o que estava pendente dentro de nós, então estamos no caminho da ação e da solução, não do problema. Estaremos indo em direção à cura na medida que construímos um terreno fértil para o nascimento de um novo Eu.

Pessoas que já estão acostumadas com a sua própria companhia, que aprenderam a olhar os seus vazios internos, a trabalhar constantemente e incessantemente para avançar, progredir e estar bem consigo na medida que liberam-se de padrões destrutivos criados ou herdados, que adquiriram um olhar sempre para frente a partir da experiência de lidar com as próprias sombras, estes estarão sentindo menos o “lado B da quarentena”. 

São aqueles que tem a coragem de olhar para as suas raízes e aprofundar o tanto quanto for necessário, de não deixar nada embaixo do tapete e nas gavetas emocionais de si, e assim certamente vão lidar melhor com toda dificuldade. Serão aqueles que saberão e procurarão tirar o melhor de situações difíceis, vendo nelas oportunidades de mudança interior, se fortalecendo para ajudar a fortalecer outros e sendo agentes de mudança para uma sociedade mais solidária. 

Foto: Elly Farytaile (Pexels)

ISOLAMENTO E PERSONALIDADE

Quem está acompanhando as notícias ouvirá que o sentimento de angústia e o medo constante do contágio aumentarão. Será mesmo? Será que esse pensamento não foi criado e está sendo projetado para que assim seja? Será que o isolamento social de fato pode mudar a nossa percepção da realidade, a nossa personalidade e o nosso caráter? O quanto você vai permitir que o leme do barco da sua vida seja controlado pelo que querem que você pense, sinta e faça? 

Certamente, o efeito do isolamento é traumático para uma determinada parte da população, especialmente para os idosos que encontram-se sem apoio e os que sofreram perdas, bem como para os que já foram diagnosticados com distúrbios mentais e psicológicos. E mesmo para aqueles de nós que estejam sentindo menos os seus efeitos porque já passaram pelo “deserto da alma”, ainda assim todos tivemos um impacto na psique de forma coletiva. 

Portanto, há sim uma mudança da nossa cognição, podendo haver também uma mudança na nossa personalidade, mas de forma a gerar transformações em direção ao progresso pessoal. Então, pergunte-se: O que está mudando em você e na sua vida após essa fase de recolhimento? O que você quer transformar em si? E o quanto você foi e está se permitindo afetar? Minha sugestão terapêutica e de muitos comunicadores é: vá atrás da fonte original das informações veiculadas através das notícias na mídia. Pesquise e investigue a fundo, até chegar na fonte da informação. Você pode se surpreender com a quantidade de fake news que vai encontrar, inclusive de fotos e imagens trabalhadas e veiculadas para parecerem algo que não é real.

Conforme alguns pensadores, sociólogos, filósofos e historiadores, há uma opinião dividida sobre o efeito do isolamento social. Contudo, como esse artigo foca na solução, na solidariedade e na importância das comunidades e inter-relações, cito Michel Wieviorka, sociólogo francês, que diz: “essa experiência nos forçará a reformular prioridades e contribuirá para criar uma sociedade mais solidária, na qual valorizaremos o apoio mútuo.” Segundo ele, a condição do vírus nos impõe uma metamorfose que devemos aproveitar para sermos melhores. 

Já segundo Michel Maffesoli, outro sociólogo francês, a crise sanitária aponta o fim do individualismo e a ressurgência de valores como o voluntarismo. Acredita que estamos vivendo o fim de um paradigma, e suas palavras ressoam no íntimo do ser quando diz: “cada vez que uma época se encerra, surge misteriosamente a emergência de uma pandemia”. Adela Cortina, professora de ética da Universidade de Valência, também nos lembra que na luta pela vida não são os mais fortes que sobrevivem, mas os que se apóiam – esse será um valor sagrado que devemos preservar e ter em mente para o futuro.

Foto: Jonathan Borba (Pexels)

ATIVIDADES SAUDÁVEIS PARA MANTER A SANIDADE

Se nossos hábitos de vida mudam, se o ambiente e o cenário em que vivemos pode nos condicionar, se acontecimentos compulsórios podem transformar aspectos da nossa personalidade, então, como podemos aproveitar esse momento desafiador criando oportunidades de mudança, de aprendizado, e trampolins de transformação? 

Se há um contexto que muda abruptamente, se somos forçados a modificar nossos hábitos, muitos aspectos da nossa personalidade e caráter podem mudar, mas de forma positiva mesmo em meio às dificuldades. Esse é o princípio da impermanência mencionada e ensinada no Budismo. Quando compreendemos que para plantar novas sementes precisamos revolver a terra, então tiramos a poeira dos joelhos e seguimos em frente.

Convido você, então, a relembrar das “atividades analógicas”, das ações que nos trazem equilíbrio, sanidade para a mente, o corpo, o emocional e o espírito. Muitos de nós estão retomando essas iniciativas por necessidade da alma, buscando por mais qualidade de vida, por mais união de princípios e propósito, por mais amor e solidarismo.

Foto: Dzenina Lukac (Pexels)

Entre elas, estão coisas simples como: 

  • Andar de bike, patinete ou roller.
  • Tomar sol sempre que possível: melhora enormemente o humor e a energia.
  • Fazer cursos online e presenciais, dividir e compartilhar conhecimentos.
  • Participar de grupos de estudos ou reunir-se com amigos mensalmente.
  • Fazer parte de trabalhos voluntários.
  • Praticar yoga ou participar de aulas de yoga online (conheço vários professores que estão ministrando aulas online durante a quarentena).
  • Praticar meditação para silenciar a mente e conectar com o silêncio da alma – alguns minutos antes de dormir e ao acordar transformam você!
  • Alongar-se e Exercitar-se com práticas orientais que ensinam a manter o Chi (energia vital) em movimento: Tai Chi, Qi Kung, Qi Gong.
  • Ler bons livros e leituras que primam pelo autoconhecimento e o auto-amor.
  • Pintar uma tela, fazer uma arte numa parede da casa ou realizar trabalhos manuais.
  • Criar receitas diferentes na cozinha: compartilhar com quem você gosta.
  • Conhecer e conversar com seus vizinhos: muitas vezes, são aqueles que estão mais próximos de você e podem ajudar quando sua família não estiver por perto.
  • Tocar instrumentos musicais analógicos.
  • Aprender e estudar uma língua nova.
  • Telefonar para um amigo com quem você não fala há tempo – importante ouvir a voz, por isso não vale só mensagem no whats ou messenger 😉
  • Contemplar e fotografar a natureza, observar os pássaros.
  • Abraçar as pessoas faz bem (mesmo de máscara)!
  • Brincar com seu animal de estimação, com seus filhos, sobrinhos, netos. 

A adversidade, a impermanência e os desafios da vida nos obrigam a mudar, mas também despertam em nós qualidades criativas e forças interiores que desconhecíamos, nos dando a possibilidade de construir novos valores e crenças, novas habilidades e capacidades, uma realidade mais sadia.

Essa parte da jornada nos convida a olharmos para o que estava obscurecido, tudo o que não reconhecemos, o que negamos e não olhamos antes – para uns uma pedreira a ser trabalhada ou uma montanha de gelo a ser derretida; para outros, um deserto a ser atravessado ou uma noite da alma a ser iluminada. A jornada é longa, mas a colheita dos esforços e do trabalho interior é certa!

Esse tempo nos exige, sem ressalvas, a lapidarmos o nosso ser de forma profunda, a descer nas nossas raízes para de lá tirar a força e a sabedoria que precisamos para seguir adiante, para trazermos o que temos de melhor – afinal os diamantes são criados sob pressão. E todos nós temos escolhas à nossa frente que determinarão o nosso destino. Quem você espera ser e está trabalhando para se tornar a partir das suas ações no agora? Esse será o seu propósito e o seu destino.

Luciane Strähuber – Educadora e Consultora da Terapêutica Integrada

Fonte complementar: Folha de São Paulo: O que os grandes filósofos estão dizendo sobre o Covid | O Globo (Cultura): “A pandemia é o sinal de uma crise civilizatória” | Uol (Universa): Formas de reduzir a solidão entre idosos | Uol (Longevidade): Como lidar com a solidão na velhice?

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